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Na véspera de completar 27 anos, aos 6 anos de relação, 3 anos de casada, EU, trabalhadora decente e honesta, AINDA ouço a seguinte pergunta: "Amor... cadê minha meia?"
Pergunta esta feita pelo meu excelentíssimo esposo, no auge dos seus 30 anos. Claro que outras perguntas clássicas como "Você fez aquele bife que eu te pedi?" "Aquela camisa cinza já foi lavada?" ecoam pela minha humilde residência própria, conquistada com trabalho e suor, através de um financiamento da Caixa Econômica Federal durante quinze labutosos anos da minha vida.
Não que eu não reclame - eu até já sabia o que me aguardava quando decidi usar a aliança na mão esquerda. Minha avó falava da dependência do meu avô, minha mãe hoje "brinca" com a dependência do meu pai E DO MEU IRMÃO. E agora eu, junto com outras amigas casadas expomos esses casos, que são frequentes em 100% dos casamentos que eu ouço falar.
Acho que isso não é culpa dele, nem da minha sogra (ela o mima bastante... mas não vou encaixá-la aqui) mas eu penso que isso é uma ordem natural das coisas. Nós nascemos, brincamos com bonecas a vida toda, muitas aprendem a costurar, temos gosto por cozinha, temos um senso organizacional muito maior que o dos homens. Quando casamos, podemos não ter toda a experiência de como gerir uma casa, mas sabemos como tudo funciona e conseguimos operacionalizar todas as demandas de uma casa bem mais rápido do que qualquer homem. Até aquele lance de separar roupas escuras e claras na hora de lavar roupa a gente sabe. E olha que isso minha mãe nunca me disse que era pra ser feito. E acho essa simples sabedoria, um dos conhecimentos fundamentais para minha vida funcionar em harmonia.
O meu eterno namorado (não gosto da palavra "marido") HOJE reconhece em mim essa peça fundamental que equilibra as coisas lá em casa. Mas isso veio ao longo do casamento, não foi de pronto. Ele é competitivo, tenta se equiparar lá em casa. Ele gosta de ser elogiado e reconhecido pelas proezas domésticas que realiza. E confesso que esse gênio dele no começo, dificultava e muito as coisas lá em casa. Ele se julgava sabichão, dizia ter todo o conhecimento das obrigações de um lar, e resolveu mostrar pra mim num sábado,dia que eu costumava faxinar a casa.
Começou pelo quarto arrumando tudo. Nas minhas gavetas haviam coisas dele, e coisas minhas na gaveta dele. Ele não trocou a roupa de cama (coisa que faço todo sábado) e deixou a coberta que forra a cama meio torta. Aspirou o quarto, mas não passou embaixo da cama. Eu observei e não falei nada, pois era a primeira vez dele. Valeu a tentativa.
Depois foi pra sala e só aspirou. Não passou pano nos móveis, não guardou os próprios CD's que estavam espalhados que ele mesmo espalhou. não limpou a janela e nem afastou o sofá pra aspirar. Eu já tinha percebido que iria refazer tudo. Mas deixei-o bem a vontade.
Não lavou os banheiros nem trocou as lixeiras. Não trocou as toalhas usadas durante a semana, nem os carpês, não limpou espelhos, box, janelas. Nem pôs pastilhas no vaso. Passou um pano rapidinho no chão com água e detergente e secou com um pano. O chão ficou super escorregadio, ele acabou escorregando em um dos banheiros e ficou com um hematoma no bumbum. Ofereci ajuda e ele me disse com firmeza: "Está tudo sob controle. Acidentes acontecem. Pensei: "Huummm Magayver doméstico..." Mas só pensei. Não disse nada. Eu já estava convencida de que iria refazer tudo, mesmo.
Na cozinha, por sorte não haviam louças a serem lavadas. Mas ele não passou pano na cozinha, não trocou toalha de mesa nem panos de pratos usados durante a semana, não trocou os tapetinhos que tenho na cozinha, não limpou microondas, geladeira, fogão, não trocou o filtro do depurador de ar. Ele só aspirou a cozinha e pôs as cadeiras na mesa ordenadamente na mesa. Só isso. Ah, e haviam louças no escorredor, que foram guardadas onde ficam os copos.
Nesse meio tempo da cozinha, meu telefone tocou. Era minha mãe. Fui ao quarto para atendê-la mais calmamente e poder lhe contar uma das cenas mais engraçadas que já tinha presenciado em todo meu casamento.
Foram uns dez minutos de conversa. Ele entrou no quarto todo prosa, suuuuper se achando. Me despeço do telefone. Segue diálogo para maior compreensão:
- E aí, o que achou do dia de hoje, meu amor?
- Muito tranquilo. Fiz tudo em 40 minutos. Não entendo o porquê da sua faxina demorar o dia inteiro, sério mesmo! Sei lá amor, acho que você não tem condições pra arrumar a casa. Acho melhor você cozinhar e lavar a louça. Faxina cuido eu.
- Ah, sério? Nossa, como você é proativo! Acho bem engraçada a sua opinião, porque a contrário da minha, acho que sua faxina ficou faltando alguns "pequenos detalhes" que fazem toda a diferença...
- Eu sei, eu sei. Sei bem do que você tá falando. Mas você subiu pra atender sua mãe. É das roupas que você tá se referindo. Estão lá, todas na máquina sendo lavadas. Vai ser apenas pendurar no varal e acabaram todos os serviços.
Não houve mais diálogo. Desci correndo as escadas, fui até a área de serviço e estavam lá, todas sendo batidas ao mesmo tempo: roupas brancas, pretas, rosas, azuis. Meias, cuecas, panos de prato (ele resolveu lavar), gravatas e roupas de lã, seda, algodão, jeans. Tudo junto. Desliguei imediatamente.
O sentimento de desespero pairava no ar como uma pluma deslizante num vento outonal. Ele desceu na maior calma do mundo questionando minha atitude desesperada.
- Mas o que aconteceu, guria?! Que desespero é esse, pra ver o que tem na máquina?
Peguei minha blusa social branca favorita que estava no meio da lavagem e lhe mostrei a mancha enorme e preta que havia se formado. Na minha face, ódio. Na dele, medo. Medo do que iria acontecer naquele momento. Ele pôs a mão na testa como se dissesse "putz". Ele tentou se aproximar e eu disse sonoramente: "SAI DAQUI! A-GO-RA."
Ele obedeceu.
Não falei durante toda a tarde.
Comecei a "Refaxinar" a casa, e até fui impedida no primeiro momento com a justificativa: "Vamos ligar numa agência pra vir alguém aqui agora! Desculpe!"
Eu só o encarei. Ele viu que nem uma diarista de emergência iria adiantar. Passei a tarde sendo observada por ele e ouvindo as seguintes frases:
"Caramba... é mesmo, não troquei a roupa de cama"
"Não sabia que aspirava embaixo da cama"
"Pra onde vão essas roupas de cama? Ah, vão ser lavadas... hmm"
"Mas precisa trocar os tapetes de banheiro?"
"Vai lavar as toalhas?"
"Hmm... não limpei espelho"
"Ah, esqueci de trocar as lixeiras"
Enfim.... toooodas as coisas que ele não fez ele tentava se justificar. Não falei nada. Fiquei muito brava com o episódio das roupas. Depois de tudo pronto, tomei um banho, me arrumei e disse:
- Vamos ao shopping. Você vai me ressarcir de todas as minhas roupas que você estragou.
(...)
Depois deste dia, as coisas mudaram lá em casa. Com diarista ou sem diarista, quem equilibra e gerencia as coisas de casa sou eu. Proezas dele, se resumem a pendurar quadros, tirar as roupas do varal, arrumar o guarda roupa (o meu e o dele! ele dobra roupas que é uma beleza!) pegar as coisas que estão no alto e eu não alcanço, matar insetos e me ajudar na louça (ele acabou aprendendo).
E eu elogio muito o que ele faz. Ele faz bem feito.
Tudo se facilitou. Ele melhorou e tem noção das coisas que pode e não pode fazer. Hoje somos uma equipe, eu faço algumas coisas e ele outras. Aí veio a Djeine pra ajudar (minha diarista) aos sábados e aí sim, tudo mudou de verdade lá em casa. Só vez ou outra ele encasqueta com ela, pois ele diz que ela nunca faz o que ele pede.
Sabe o que a Djeine diz?
"Ah, seu Daniel... a patroa de casa aqui é a Dona Fernanda. Se ela disser isso aí que o senhor tá pedindo, eu faço. Mas senão...".
É, a Djeine sabe como a vida de uma família (a minha, pelo menos) funciona.
Por fim, o que eu acho mesmo é dispendioso ir lá, pegar a meia dele naquela segunda gaveta que tanto digo que está, e que ele insiste em não estar achando. E depois ouvir dizer "caramba... como que você achou aqui?"
Então eu não reclamo mesmo das perguntas homéricas que ouço em casa. Eu escolhi assim. E nossa relação como casal funciona que é uma beleza dessa maneira. Ele também se convenceu que as coisas assim são menos estressantes. Reclamações mesmo, só dele não ter achado a meia na segunda gaveta que eu tanto falo....
Mas isso é outro capítulo.
Um beijo,
Fernanda.
5 comentários:
Muito bom, Fernanda! Sou solteira, mas uma relação para dar certo tem que equilibrar! Ajustar o que está errado e elogiar o certo! E que bacana ele querer te ajudar! Parabéns! E é muito bom tê-la de volta por aqui! Beijocas!
menina, eu devia ter nascido menino. sou eu quem nao encontra a meia, quem nao tem saco pra trabalho domestico, quem nao cozinha e nao sabe fazer praticamente nada em casa...
acho que a sua lista de 100% dos casamentos acabou de mudar pra 99.99%
e o meu dura 15 anos!
Muito bom Fer...passo pelas mesmas situações aos sábados com meu marido...hehehe
Minina do céu! vc tem um marido de ouro! hahahaha.
Sério! Os homens que conheço, a começar pelo meu pai, estendendo-se ao irmão, ex, primos, etc., não fazem nada em casa NUNCA!
NUNCA mesmo.
Levante as mãos pro céu e agradeça a Deus, porque achar um homem assim é milagre!
Quanto às meias, cuecas, ferramentas e td o mais, eles jamais encontram! Acho que tds já nascem com defeito genético para tanto, rsrsrsrs.
Bjo e parabéns pelo blog. Super legal.
Resolvi te seguir, depois dê uma passada pelo meu =]
Amei o texto!
=D
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