terça-feira, 26 de outubro de 2010

O BOPE

Relato do Capitão Lopes à correspondente Kézia

Em Curitiba quem quer ser se dar bem deve escolher: ou se corrompe ou se omite ou vai para a guerra. E se você escolhe ir pra guerra, parceiro, tem que saber fazer. A cidade tem mais de 700 baladas todas dominadas por mulheres armadas até os dentes. Nenhuma quer ficar sozinha. E é assim que a banda toca. Se a mina quer carinho, o que ela vai fazer? Correr o risco de se decepcionar? É claro que não. Vai ligar pro BOPE. O Batalhão de Operações dos Pegadores Especiais.

O BOPE foi criado para intervir quando os pegadores convencionais não conseguem dar jeito. E aqui em Curitiba isso acontece o tempo todo. O BOPE vive na balada para pegar mulheres. Neste batalhão só entram os pegadores. Pega-ninguém aqui não se cria.

Meu nome é Capitão Lopes e eu chefiava a equipe Alfa do BOPE há 12 anos. Eu já tava naquela guerra há muito tempo e tava começando a ficar cansado dela. A guerra sempre cobra seu preço e quando o preço fica alto demais é hora de pular fora. Eu precisava arrumar alguém para ficar no meu lugar no Comando do BOPE.

Por muito tempo o Tenente Marcos esteve comigo e passou por diversas operações nas baladas. Já invadimos favelas e casas de Raposas na Barra. Ele não era fácil. Ele tava tão louco com o trabalho do BOPE que pegava qualquer coisa.

Tinha também o tenente Galeb. O cara era ex-PM (Pegador de Momento). Este tipo de pegador só se dá bem quando a mina dá moral. É vagabundo. Quer ficar apenas na rebarba dos outros. A última dele foi perder uma mina para um pegador de outra unidade. Cara, isso acaba com a imagem do BOPE.

Por fim tinha o Fábio e o Borges. Começaram como aspirantes no batalhão convencional. Era de caras assim que eu precisava. Na verdade eu precisava da inteligência de um e do coração do outro. Se eu pudesse ter juntado os dois a minha história não teria sido tão difícil. Mas quem disse que a vida é fácil.

O Fábio não tinha muita experiência. Muito tempo corrompido. Daí, é aquela, quando entra no BOPE o cara fica fissurado. O importante para ser um pegador é não desistir e não deixar nenhuma raposa escapar. E pra aprender isso ele ia ter que ralar muito. O problema do Fábio é que ele era movido pelo coração. Ele mirava um único alvo. Não via que às vezes dá pra matar dois coelhos com uma porrada só. A corrupção ainda tava na veia. E quando se trata de raposas, meu amigo, não pode ter uma única estratégia de invasão porque este erro pode ser fatal.

O Borges... ah este tinha potencial. Tinha o espírito dos pegadores. Era frio. Não escolhia o alvo e atirava em todo mundo. Sua auto-estima era tão alta que um corte não o abalava. Ele parecia eu quando entrei no BOPE.

Foi ali no BOPE que nossos destinos se cruzaram. Eles precisavam da força de um batalhão e eu precisava de um substituto. As opções eram poucas e eu precisava ser rápido. O que eu não sabia é que a missão de 11 de outubro mudaria para sempre a minha história e de toda corporação.

Era meu aniversário. E sabe como é ser Capitão... o batalhão espera que você esbanje. Eu tinha que juntar todas as minas num mesmo lugar. Eu sabia que ia dar merda. O morro já tinha muita mulher e levar mais minas lá, com um monte de Vodka, era loucura. Mas aqui é o BOPE. Missão dada é missão cumprida.

Já de cara o Tenente Marcos tomou a frente e fechou uma boca. Pois é, aqui a farda não é azul, parceiro. É preta. Mas o cara deixou a equipe desfalcada. E eu sabia que não podia mais contar com ele.

O Fábio tava afobado. E neguinho afobado na favela dá merda. Basta uma tentativa de invasão frustrada no começo da missão e já desestabiliza o psicológico.

Naquela noite o Galeb e o Borges fizeram a mesma escolha que eu fiz 12 anos antes. Eles foram pra guerra. A missão era finalizar Che Guevara. O que aconteceu era inevitável. Galeb, como todo ex-PM, adotou formas pacíficas de sobreviver. Só que na guerra um cara não pode se omitir. Já o Borges, parceiro, o Borges foi treinado por mim. Tranqüilo. Calmo. Só faz o seu. Não deixa a presa reagir. Quando vi Galeb tava sem bandoleira. 3 anos de BOPE e ainda não aprendeu. Passei o rádio. “Borges, Che Guevara tá entrando sem colete”. Borges não pensou duas vezes. Pegou a 12 e atirou. O sangue chegou a espirrar na cara do Galeb. É parceiro, tava ali o meu substituto.

O BOPE vai deixar saudade. Só vive em paz quem aprende a lutar. A guerra foi a minha cura. Pensaram que eu ia cair, mas dessa vez eu caí pra cima. Posso até largar o BOPE, mas não deixo a Secretaria de Segurança. E daqui, parceiro, eu vou transformar o BOPE numa máquina. Segunda-feira é só história pra contar.


Nota da correspondente: Alguns nomes foram substituídos para preservar a identidade dos envolvidos. Quanto às operações, o comando é do Capitão, a responsabilidade é dele. E quanto a mim, se é pra cair, vou cair atirando.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Eu e as Barbies

Assumo com muito orgulho que desde pequena curtia brincar de casinha, sim.
Que a Barbie e o Ken se casavam e tinham dois filhos e uma casa que mais parecia um palacete.

Minha mãe estava sempre de olho e as vezes brincava comigo. Mas não sempre. Ela achava que o "desenrolar" da brincadeira nada mais era reflexo do que eu vivenciava em casa, então ela me deixava bem a vontade mas vez ou outra perguntava a quantas andava a vida das minhas bonecas.

Um dia minha barbie estava sozinha em casa só cuidando das crianças. Daí o Ken chegava em casa, ligava a tv, sentava na poltrona e lá vinha a barbie, com avental e lencinho na cabeça levando o jantar na poltrona. Seriamente, o Ken pedia pra que ela tirasse os sapatos dele. Com todo o charme, ela tirava e saía de cena pois um dos bebês chorava muito.

Minha mãe que passava por ali, perguntou o porque o bebê estar chorando tanto. Contei o enredo da situação e eu vi que ela mudou de feição e perguntou da onde eu tinha tirado aquilo. Falei que eu tinha visto no filme da tarde que as mulheres faziam aquilo.

Como toda professora feminista que se preze, minha mãe falou que aquilo não era o correto. Que eu devia olhar para a Barbie que estava desenhada na caixa e comparasse com aquilo que ela estava sendo naquele momento. (Era a Barbie médica). E eu me lembro bem do que ela disse: "Filha essa sua Barbie é médica! significa que ela tem uma profissão. Ela está com o Ken porque o ama, e não porque precisa cuidar dele. Entendeu agora? Ela pode cuidar da casa, do Ken e dos filhos. Mas antes de tudo, ela é a Barbie. E tem uma profissão."

Eu tinha somente 5 anos mas entendi tudinho. Mesmo se a profissão dela for cuidar da própria casa (e do marido) ela é antes de tudo a poderosíssima Barbie. E uma Barbie médica!

Relembrando disso quase agora, liguei pra minha mãe. Ela me relembrou que sempre me dava Barbies, mas todas temáticas: Médica, tenista, amazona, atleta, professora. As Barbies modelos"vai as compras" "festa" e "princesa do campo" ela nem passava perto. Ela disse que "elas tinham que ter um referencial decente".

Uma lembrança que eu estava esquecida, mas que me influenciou pro que eu sou hoje.

Esse texto é pra você, Mamãe! Que sempre lê o blog mas não posta comentários porque "Ai filha não sei mexer muito nessas coisas não."

Te amo muito!


Fernanda.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Day, a diva

Estamos sentados à mesa e uma mariposa insiste em ficar por ali. Voa baixo. Desafiante com aquela falta de cor nas asas. Aqui do meu lado, ela observa por uns 8 segundos. Sem dizer uma palavra, levanta-se e pega aquele inseto com as mãos, o arremessa para longe e volta a sentar com um sorrisão. Ah, uma diva!

Mas ela é assim. E deixa isso claro a noite toda. O guardanapo acabou. Ela levanta e sabe onde tem. Não tem mais cerveja. Ela volta com outra direto do balcão. O que é isso que você está bebendo? Quer experimentar? Quero. Ela enfia a mão no balde de gelo, pega duas pedras, joga dentro do copo e mistura tudo com o canudo verde. Vai, agora bebe. Diva! Quem é o garçom? O Vitor. Eu só queria saber onde ele está. Mas claro que ela sabe o nome. Ela o abraça e chama pelo apelido. Ela some e pode estar na cozinha elogiando os cozinheiros. Assim como ela faz com o dono. A mulher do dono. O irmão do dono. O cara da banda. O baixista de outra banda. O vocalista que participou de um programa de TV. “Eu conheço uma menina que sai todo dia pelos bares da cidade à procura de diversão”. Sim, é a sua música mesmo! E ela dá o primeiro rodopio. Sentirei saudades dos rodopios. Dos exageros. Dos superlativos. Dos abraços apertados. Dos segredos que ela não consegue guardar.

E aqui nesta mesa que não para de aumentar, ela quer abraçar e conversar com todos. Às vezes ela senta, enxuga umas lágrimas que chegaram sem aviso e isso me corta o coração. Ela disse que era uma comemoração. Um novo começo. Mais um de tantos que ela teve. Essa guria de pernas enormes está acostumada a começar tudo do zero. O tempo todo. E eu queria garantir que desta vez as coisas ficariam ótimas depressa, que ela não precisaria esperar muito. Peguei na estante o meu livro preferido, fiz rápido uma dedicatória para não mudar de ideia e levei como seguro-final-feliz. Bem propício para um começo.

Hoje é dia de escolher o enredo. Redefinir personagens. Construir outras histórias. Não é possível saber como termina este capítulo. Nem quando começa um outro. Por mais curiosidade que o final possa trazer, o que importa mesmo é viver tudo devagar (ou seria com muita pressa?). Aproveitar até o último restinho de vida. Por enquanto temos apenas esta noite que ela quer ver virar dia. Muito bem, minha querida, porque, como tudo na vida, não há noite que dure para sempre.


Beijo bem grande e muitos abraços cheios de saudade

Kézia

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Atualizando: ela me disse que lavou as mãos depois da mariposa e o gelo estava livre de resquícios de asinha (e eu que nem associei nada disso... )

Atualizando 2: E aconteceu que a alegria veio pela manhã e a Day está voltando. Day, querida, arrasa!


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O amor no campo de batalhas

Quem pode dizer que se relacionar é fácil? Relacionamentos são como CDs, você quer muito uma parte e para desfrutar dela é necessário comprar o CD todo (um aleluia ao 4shared). E não é porque parte do CD é horrível que ele deve ser descartado. Não. Por mais que você reclame, é difícil se desfazer porque sempre vem à memória o quanto aquela aquisição é valiosa. Então as músicas ruins nem ficam tão insuportáveis assim. Fazem parte do repertório. E existem as músicas boas, e ah... elas são tão boas!

O que acontece é que às vezes supervalorizamos as músicas ruins. Damos a elas dimensões inestimáveis. Assustadoras. Explosivas. Capazes de matar. No amor, diferente de um CD, não é possível simplesmente avançar a faixa, ignorando totalmente a parte ruim. No mundo real, coisas reais acontecem e precisam ser enfrentadas. Muitas vezes este enfrentamento é mesmo um confronto com ações comuns a combates, neste contexto, nomeadas como brigas, crises e pitis. As diferenças são sutis, mas devem ser analisadas.

As brigas respeitam as leis naturais de causa e efeito. Apesar de eclodirem em momentos específicos, trazem muitas lembranças à tona. Uma briga é composta pelo fato imediato somado aos fatos recorrentes. Brigas são caracterizadas por longas “conversas” em que as falhas comportamentais são minuciosamente enumeradas a fim de que o outro encontre explicações plausíveis para tais ações. Em alguns casos existe uma mulher aos prantos dizendo “eu não agüento mais” e em situações extremas carros podem ser drasticamente danificados (ou qualquer outra coisa que seja interpretada como uma extensão do homem. Neste ponto, após uma rápida conclusão, a mulher percebe que não é viável passar 30 anos na prisão, então o homem em questão garante sua integridade física, porém o mesmo não é válido para seus pertences).

Já as crises podem ser pré ou pós-brigas. Não respeitam nenhuma ordem padrão e podem ocorrer por inúmeros motivos. Em muitos casos são geradas pela percepção que os fatos recorrentes são muito mais recorrentes do que se imaginava. Algumas têm como característica momentos de silêncio e estranheza que abruptamente dão lugar a brigas por motivos tão importantes como esquecer-se de comprar leite. Frases comuns “você sempre faz isso” “você nunca vai mudar” “já esperava isso de você”.

Quanto aos pitis, vale ressaltar, que nem sempre os homens estão familiarizados com o termo e é possível que seja uma forma de extravasar exclusivamente feminina. Ninguém consegue ter um piti sem que as pessoas ao redor percebam o clima pesado. Existe uma coisa no ar. Uma névoa densa e preta. Muito preta. Homens também percebem. Principalmente o seu. Ele vai querer descobrir o que é. E é neste momento de curiosidade que muitas se aproveitam. Ele começa: o que aconteceu? E ela, sem encará-lo nos olhos, responde: NADA. Aqui existe uma obrigação implícita do homem insistir e perguntar mais e mais e mais o que aconteceu até que ela sinta que ele já insistiu o suficiente e está pronto para O piti.

Os pitis começam e terminam sem aviso prévio. Aos olhos de um mero observador parecem não ter motivo aparente ou relevante. Mas é muito inteligente isso nunca ser mencionado em um momento de piti. Geralmente são caracterizados por Cavaleiros do Apocalipse que descem do céu e um homem perplexo que ouve tudo sem entender absolutamente nada do que ela está falando. Mesmo assim ela insiste em dizer coisas como “você não se importa comigo” “você não me ama”. Querido, ouça atentamente, fale o mínimo que puder e tenha paciência, porque da mesma maneira intempestiva que começam, os pitis terminam. Logo ela estará de volta, arrependida e muito carinhosa.

É evidente que nada disso é bonito, melodioso ou motivo de orgulho. São apenas coisas que acontecem por aí o tempo todo. Muitos relacionamentos podem não ter experimentado nenhuma das questões acima apresentadas. Outros tantos parecem não conseguir se manter sem que um ambiente infernal seja constantemente alimentado. Acredito que relacionamentos existem para sermos felizes e cuidar para que o outro esteja muito feliz. Como proceder? Ah, sou apenas uma engenheira que nem atua com engenharia. Só acho que não dá para ser feliz o tempo todo. Relacionar-se exige esforço. Muito esforço. Mas é melhor, muito melhor, serem dois do que um. E disso, meu bem, eu tenho muita certeza.

Beijo grande

Kézia

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A irmã da noiva

Seguramente minha irmã é a pessoa mais engraçada que eu conheço – aliás, minha família me faz acreditar que bom humor é uma herança genética. Ela é dois anos e quinze dias mais nova que eu, o que implica a mesma festa de aniversário, roupas do mesmo modelo apenas de cores diferentes (se bem que nem sempre as cores eram diferentes). Minha única irmã... única, única não é... mas como meus pais, juntos, tiveram apenas duas filhas, na prática é. Ela sobreviveu aos tapas, a história que inventei que ela era adotada e ao cabelo de Rei Leão (pra mim, a melhor lembrança!). E eu sobrevivi às inúmeras vezes que a defendi na escola, a todas as vezes que ela ficava doente e eu precisava buscar o revigorante chips com coca-cola e as músicas inventadas com invejável criatividade. Nos tornamos amigas, o que me faz pensar que ter uma amiga que parece irmã é fácil, difícil é ser amiga de verdade da sua irmã. Nós somos. E agora ela está noiva. Reconheço que ela escolheu muito bem. Mas ele... ah, ele foi muito abençoado por Deus. Ela é ótima. Cuidadosa, divertida e muito apaixonada. Minha irmã apavora. Nesse casamento eu recebi uma missão muito especial: levar as alianças. Não foi um mero convite “quer ser minha daminha de alianças?”. Não. Ela não seria ela com uma atitude dessas. Convite bem ao estilo minha irmã, que além de engraçada, é muito zelosa e com grande talento artesanal. Ganhei uma caixa-convite, que ela descreve neste post aqui (ela tem um blog em que divide as aventuranças de se preparar para o casamento. Recomendo seguir) com um cartão assim:

No dia do meu casamento eu preciso de alguém para enxugar minhas lágrimas de emoção. Preciso de alguém que me abra um sorriso bem grande quando eu estiver nervosa. Alguém que carregue nossas alianças com o maior carinho que possa existir. Alguém que esteja ao meu lado em todos os momentos de preparação para o grande dia. E eu preciso de alguém para segurar meu vestido na hora de ir ao banheiro. Kézia, Aceita ser nossa cerimonial-madrinha?
Quédma e Rafael

Agora, me diga: que resposta cabe a um convite desses? Foi o que pensei... Então serei a daminha! Terei sob minha responsabilidade o símbolo do amor e compromisso que eles firmarão. Será meio solitário porque todas as outras vezes em que levei as alianças minha irmã me fazia companhia, tudo bem que éramos crianças, mas ela sempre esteve lá.

Irmã Princesa, por mais que seja óbvio, quero reforçar que sou a daminha mais alegre e orgulhosa de todo o mundo. Este foi o convite mais lindo e importante que já recebi. Quero que minha entrada seja antes da sua, para poder te olhar bastante e guardar cada momento em minha memória. Tudo vai dar certo! Seja muito paciente, não tenha medo nenhum de ser feliz e me dê sobrinhos (em um dia bem distante de hoje, mas dê!).


Beijo bem grande

Kézia